sexta-feira, 1 de maio de 2009

Amor


Outro dia liguei o rádio e ouvi que faziam um concurso entre os ouvintes procurando uma definição para amor. As repostas eram muito ruins, até dava para se pensar que nem ouvintes nem locutores entendiam nada de amor realmente; o lugar-comum é mesmo o refúgio universal, que livra de pensar e dá, a quem o usa, a impressão de que mergulha a colher na gamela da sabedoria coletiva e comunga das verdades eternas. O que, aliás, pode ser verdade.
Mas a idéia de definição me ficou na cabeça e resolvi perguntar por minha conta. Tive muitas respostas. A impressão geral que me ficou do inquérito é que de amor entendem mais os velhos do que os moços, ao contrário do que seria de imaginar. E que menos os profissionais que os amadores – digo os amadores da arte de viver, propriamente, e os profissionais do ensino da vida.
Vamos ver:
Dona Alda, que já fez bodas de ouro, diz que o amor é principalmente paciência. Indaguei: e tolerância? Ela disse que tolerância é apenas paciência com um pouco de antipatia. E diz que amor é também companhia e amizade. E saudade? Não, saudade não: saudade se tem de pessoas, das alegrias, das coisas, da mocidade, da infância dos filhos. Mas do amor? Não. Afinal, o amor não vai embora. Apenas envelhece, como a gente.
A jovem recém-casada me diz que o amor é principalmente materialismo. Todos os sonhos das meninas estão errados. Aquelas coisas que se lêem nos livros da Coleção das Moças, aqueles devaneios e idealismos e renúncias e purezas, está tudo errado. Quando a gente casa é que a gente vê que amor não passa de materialismo.
Terezinha de Jesus, às vésperas de botar no mundo o seu filho de mãe solteira, responde: “Amor? É iludimento. No começo é dançar, tomar Coca-Cola com pinga, ganhar corte de pano e caixa de pó-de-arroz. Depois é a barriga e todo mundo apontando, e o camarada sumido”.
Semana que vem vai pra maternidade. Quem quiser lhe falar de amor venha, que ela tem uma resposta. Mas impublicável.
Um senhor quarentão, bem casado, pai de filhos: “Amor como se entende em geral, é coisa da juventude. Depois de uma certa idade, amor é mais costume. É verdade que tem a paixão com seus perigos. Mas você falou em amor e não em paixão, não foi?”
- E de paixão, que me diz? – Aí ele se fecha em copas. “Deixo isso para os jovens. Velhote apaixonado é fogo. E eu não passo de um pai de família.”
A mãe da família desse senhor: “Amor? Bem, tem amor de noiva, que é quase só castelos e tolice. Tem o de jovem casada, que é também muita tolice – mas sem castelos. Complicado, com ciúme, etc., mas já inclui algum elemento mais sério. E tem o amor do casamento, que é a realidade da vida puxada a dois. Agora, o amor de mãe... Você perguntou também o amor de mãe?”
Respondi energicamente que não; amor de mãe, não. Quero saber só de amor homem com mulher, amor propriamente dito.
Diz o solteiro, quase solteirão, que se imagina irresistível e incasável: “Amor é perigo. Só é bom com mulher sem compromisso. Com moça donzela dá em noivado, com mulher casada dá em tragédia. O melhor é amor forte e curto, que embriaga enquanto dura e não tem tempo para se complicar. Aquela história de marinheiro com um amor em cada porto tem o seu brilho, tem o seu brilho”.
O pastor protestante diz que o amor é sublimar a atração entre dois seres, é atingir a mais alta e pura das emoções. Não confundir amor com sexo! E perguntado – sendo assim, por que casam os pastores? Ele responde citando São Paulo: “Porque é melhor casar do que arder”.
Já o padre católico não elimina o sexo do amor. Explica que, pelo contrário, o sexo, no amor, é tão importante como os seus demais componentes – o altruísmo, a fidelidade, a capacidade de sacrifício, a ausência do egoísmo. E é tão importante que, para santificar o amor sexual – o amor conjugal – a Igreja o põe sob a guarda de um sacramento, o santo matrimônio. E ante a pergunta: se é tudo assim tão santo, por que os padres não casam? O padre velho não se importa com a impertinência, sorri: “Nós nos demos a um amor mais alto. Casamento, para nós, seria pior que bigamia...”
E por último tem a matrona sossegada que explica: “Amor? Amor é uma coisa que dói dentro do peito. Dói devagarinho, quentinho, confortável. É a mão que vem da cama vizinha, de noite, e segura a sua adormecida. E você prefere ficar com o braço gelado e dormente a puxar a sua mão e cortar aquele contato. Tão precioso ele é. Amor é ter medo – medo de quase tudo – da morte, da doença, do desencontro, da fadiga, do costume, das novidades. Amor pode ser uma rosa e pode ser um bife, um beijo, uma colher de xarope. Mas o que o amor é, principalmente, são duas pessoas neste mundo”.


Rachel de Queiróz {19-5-1962}




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