sexta-feira, 1 de maio de 2009

Ela por Ela Mesma

As Crônicas Revelam
Minha Biografia


Rachel de Queiróz

Eis aí um punhado de crônicas – gênero literário que quase se poderia dizer que é peculiar à literatura brasileira. Pelo menos, é voz geral que a crônica, tal como a fazemos aqui, é realmente coisa nossa.
Sou uma contumaz usuária do gênero, só na “Última página” da revista O Cruzeiro fiz crônicas durante trinta nãos cravados: do início de 1945 até quando a revista fechou, em 1975.
Será talvez a crônica o gênero literário mais confessional do mundo. Pois o cronista, quase invariavelmente, tira o tema dos comentários que faz do seu próprio cotidiano, ou do assunto do dia no país, na cidade, no seu bairro. Até da sua casa, da sua estante de livros. Quando vêm me importunar com a exigência (que eu detesto) de escrever minhas memórias, a resposta que dou é sempre a mesma: a quem quiser me saber minha biografia, leia as minhas crônicas. Pela data e o local de cada uma, já há uma informação. E tudo que comento, que canto e que exploro, foi tirado de meu dia-a-dia: o menino que me trouxe uma flor, o espetáculo de teatro a que assisti, as memórias de infância, as lembranças e apelos do Ceará, sempre me cantando no sangue. E os fatos políticos, já que sou essencialmente um animal político, sempre me interesso apaixonadamente por tudo que acontece nessa área, seja na minha província, no meu município, no país ou no resto do mundo.
Também os sentimentos, as angústias e esperanças, alvoroços de coração, saudades, perdas, promessas, e alegrias, tudo isso aparece na crônica, aberta ou disfarçadamente – compete ao leitor inteligente desvendar nas entrelinhas. Ou constatar na frase aberta.
Nos romances, claro que a gente se desvenda também. Mas há sempre a figura do personagem a mascarar a face do autor e, se na criação romanesca você também pode contar tudo, ou quase tudo, a variedade dos personagens estabelece a necessária confusão, e quase nunca o leitor vai saber se você se retratou na rapariga insolente e predadora, na velha amargurada de más lembranças ou, até mesmo, no personagem masculino que, apesar disso, tem tanto de sua alma. Afinal de contas, alma não tem sexo, dizem os que entendem dessas coisas do outro mundo.
Leiam pois este punhado de crônicas e vão desculpando. O leitor é que assume, realmente, o nosso juízo final.



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